Friday, December 05, 2008

O significado da sigla "IHS"

Encontradas em algumas lápides no Cemitério dos Ingleses e outros campos santos, a sigla "IHS" se refere às primeiras três letras do nome de Jesus, quando escrito no alfabeto grego - iota, eta e sigma - que foram transcritas incorretamente no alfabeto latim/inglês como "IHS". Esta sigla tornou-se muito popular na Idade Média e surgiram várias explicações sobre seu significado, a mais comum sendo "Iesus Hominum Salvator" ("Jesus, Salvador da Humanidade", em latim). Fonte: Igreja Anglicana do Canadá

Wednesday, December 03, 2008

Espaço vivo



por Paulo Valadares

Eles nunca gozaram de boa fama, e pede o bom senso que sejam o último lugar a ser visitado em qualquer cidade. Não é o caso, entretanto, da cidade que mais recebe turistas no mundo, onde a sétima atração turística mais freqüentada é – pasmem – um cemitério. Os túmulos do Père Lachaise, em Paris, recebem hordas de visitantes do mundo inteiro, competindo com os famosos museus. Entre nós, todavia, “visitar um cemitério” ainda soa estranho. Na contramão dos preconceitos, pretende-se demonstrar como a visita a um cemitério – em suas diversas dimensões sociais, religiosas e artísticas – pode ser tão produtiva e prazerosa quanto a visita a uma biblioteca ou museu.

O cemitério é uma criação recente no mundo luso-brasileiro, e antes de sua difusão as pessoas eram sepultadas dentro das igrejas católicas. A explosão demográfica e as possibilidades de propagação de doenças acarretaram a proibição desse costume. Houve mesmo revoltas populares durante a fundação dos primeiros cemitérios no país, e uma delas, ocorrida em Salvador, no ano de 1836, foi liderada por um coronel e batizada de Cemiterada. Mesmo com a implantação de cemitérios laicos, a Igreja Católica continuou com o controle do novo espaço, impedindo muitas vezes que nele fossem enterrados cristãos de confissão protestante, assim como muçulmanos e judeus.

A ocupação dos cemitérios obedece, geralmente, a critérios religiosos, econômicos ou sociais. Os principais cemitérios religiosos no Brasil foram destinados aos protestantes históricos e judeus. Com o surgimento de outras comunidades etnoculturais, surgem mais cemitérios exclusivos. Essa tendência, entretanto, não é nova: no povoado sergipano de Samambaia, município de Tobias Barreto, há muito existem dois cemitérios distintos: um laico, para os católicos, e outro para acatólicos, sobretudo presbiterianos de origem cristã-nova portuguesa. Há notícias mesmo de que no Maranhão, em Barra do Corda, ainda existe um cemitério para brancos e outro para negros. Nas grandes cidades, porém, prevalece a divisão econômica, com cemitérios para ricos, e outros para os pobres.

Para melhor ilustrar a riqueza de informações e experiências estéticas que este espaço social pode oferecer, tomaremos como exemplo o cemitério São João Batista, situado no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Fundado em 1851, pela Santa Casa de Misericórdia, o São João Batista sempre teve grande relevância social na vida da cidade. Ficava próximo da Corte, e foi o último endereço de nobres e altos funcionários do Império. Depois, com o advento da República, passou a acolher presidentes, ministros, artistas populares e gente comum.

Sua entrada principal, na rua General Polidoro – o próprio Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, visconde de Santa Teresa (1802-72), está sepultado no cemitério –, desemboca na grande alameda central, que os coveiros chamam de “Vieira Souto” (nome de uma elegante avenida da abastada zona sul carioca), e onde repousam grandes personalidades da história brasileira. Logo no início, o túmulo do príncipe Sebastião de Belford (falecido em 1911), traz uma lápide sóbria, decorada com o brasão familiar, dois leões por timbre e o retrato de Sua Alteza num medalhão. Perto dele está o singelo túmulo do marechal Costa e Silva (1902-69) e sua esposa, e do outro lado da alameda descansa, sob a sombra de uma árvore, o compositor Tom Jobim (1927-94). Mais ao fundo se encontra o túmulo de Vicente Celestino (1894-1968), e de sua esposa, a cantora Gilda de Abreu (1904-79) – o roubo do busto que o encimava, em 2004, ganhou os noticiários policiais, e o tornou nacionalmente conhecido. No fim da alameda está o impressionante cenotáfio – túmulo ou monumento fúnebre em memória de alguém cujo corpo não jaz ali sepultado –, do inventor Santos Dumont (1873-1932); e defronte, num túmulo de mármore negro, jaz a cantora e atriz Carmen Miranda (1909-55).

Mas não é apenas pelos túmulos de personalidades históricas que o São João Batista deve ser visitado. De fato, trata-se de um verdadeiro museu a céu aberto, onde se pode desfrutar de um acervo artístico da mais alta qualidade. Grandes escultores trabalharam em obras com finalidade cemiterial. Clarival do Prado Valladares (1918-83), pioneiro no estudo sistematizado dos cemitérios brasileiros, aponta obras significativas do São João Batista, como o imponente portão de entrada, a mulher reclinada que encima a sepultura de Braúlia Pascoal Lopes Machado (1881-1913), a estátua da filantropa Clarice Índio do Brasil (1864-1919), e a alegoria da desolação no túmulo do barão Jaime Smith de Vasconcelos (1884-1933). Outras obras, no entanto, também chamam a atenção, a exemplo da linda escultura do túmulo de Rodolpho Bernardelli (1852-1931), esculpida pelo próprio.

Através da observação de estátuas e lápides, pode-se conhecer melhor a vida de um personagem ou as características de uma época. Pois, se o morto não pode mais nos contar sobre sua vida passada, muitas vezes seu túmulo pode. Trata-se de um recado congelado no tempo, uma tentativa atemporal de diálogo com os vivos, que se dá através de símbolos e textos agregados. Algumas informações aparecem claras, como notações de locais e datas de nascimento e morte. Outras, porém, são passadas através de sinais que poderão ser decodificados pelo espectador mais atento.

Também é possível identificar os pensamentos que marcaram a cidade do Rio de Janeiro. Basta contar as cruzes, as imagens cristãs de Jesus e dos santos católicos, mais a centena ou milhares de epígrafes políticas que encontramos no São João Batista, para ver a importância do catolicismo e do positivismo na vida carioca. Esses sinais são encontrados até em túmulos de personagens que não demonstraram em suas vidas este engajamento, mas cujas famílias pertenciam a tais linhagens espirituais. No jazigo da família Heilborn, onde repousa o jornalista “ateu” Paulo Francis (1930-1997), está a legenda evangélica: “eu sou a ressurreição e a vida. João II. 25”. E, no da cantora Marília Batista (1918-90), a princesinha do samba, vem a divisa de Augusto Comte: “o amor por princípio, e a ordem por base, o progresso por fim”. O pai da cantora era um oficial do Exército. Ao lado dessa influência cristã e positivista, há também sinais da presença do ocultismo e da maçonaria – como o ramo de acácia, que é símbolo do imutável e da imortalidade da alma, e também marca quem passou por uma iniciação e conhece alguns mistérios. Outro exemplo é a capela em forma de pirâmide egípcia, guardada por uma figura feminina e uma esfinge, onde está sepultado Henrique Hermeto Carneiro Leão, barão do Paraná (1874-1916), e que registra sua iniciação ao ocultismo. Os túmulos de judeus e muçulmanos são identificados pela estrela de Davi e o crescente, respectivamente.

Há também as insígnias profissionais: símbolos que identificam as atividades exercidas ainda em vida. Muitas vezes é encenado um pequeno episódio da vida laboral. O dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-80), por exemplo, tem o seu busto em frente a uma velha máquina de escrever. Já o almirante Eduardo Wandenkolk (1838-1902), que foi ministro da marinha, tem uma bóia e uma âncora. No túmulo do compositor Ary Barroso (1903-64), encontra-se uma figura alegórica: uma musa tristonha carregando um pandeiro – alegoria da saudosa e saudosista música do compositor. É preciso estar atento, pois muitos símbolos se confundem com elementos decorativos e podem passar despercebidos. É o caso das papoulas que representam o sono eterno, da ampulheta que lembra a brevidade da vida, da coluna partida anunciando a vida interrompida por um acidente, do pelicano que ressalta o amor materno, ou da coruja que simboliza a paciência e a sabedoria.

Eis o cenário do São João Batista, freqüentado diariamente por uma pequena multidão – desde pessoas do bairro que o utilizam para cortar caminho, funcionários da administração, trabalhadores da limpeza e coveiros, até os empreiteiros que cuidam das sepulturas. Mas o cemitério também conta com suas próprias histórias e personalidades. Uma delas foi dona Ottilia Manfredi, falecida em 2000, e que desde 1946 visitava o túmulo do filho aviador, morto num acidente aéreo, e que, nas ocasiões do seu aniversário, brindava os coveiros com uma bebida chamada leite-de-onça, mistura de cachaça, leite condensado e chocolate. Outro ilustre é o sr. Jaime Sabino, vulgo Jaiminho, antigo figurante de chanchadas, e que desde a morte de Getúlio Vargas freqüenta as capelas onde se velam as celebridades. Sua figura diminuta e compungida é facilmente identificada nas fotografias do sepultamento de famosos. E, como não poderia faltar, o sobrenatural também tem seu representante: o mítico bode centenário que assusta as pessoas com suas aparições no morro de São João. Ninguém viu, mas ele também é parte da história do local.

Paulo Valadares é mestre em história social pela Universidade de São Paulo (USP), e co-autor, com Guilherme Faiguenboim e Anna Rosa Campagnano, do Dicionário Sefaradi de sobrenomes (Dictionary of Sephardic surnames) .



Revista de História da Biblioteca Nacional

Assim nasce uma elite


Escavações do metrô de Salvador revelam um cemitério de produtos sofisticados com quase 150 anos

Para a cura de úlceras persistentes, a última palavra é o fabuloso ungüento Holloways. Cura ainda gota e reumatismo. Um sucesso de público, anunciado em mais de cem jornais em vários países. O inglês Thomas Holloways, criador desta incrível fórmula, logo fez fortuna suficiente para concretizar seu verdadeiro sonho: fundar um colégio para senhoritas batizado com seu nome.

No pote de cerâmica branco e azul revela-se o retrato de uma época. Tempo em que o capitalismo ampliava seu impacto no mundo, levando produtos industrializados para cidades coloniais ansiosas por imitar o modo de vida da velha e boa civilização européia. Por exemplo: Salvador.

Louças inglesas de marca, frascos de perfume francês, porcelana chinesa, remédios americanos, bebidas que faziam sucesso entre os ricos, talheres, escovas de dentes, cachimbos e peças utilitárias... Um “cemitério” com mais de 40 mil objetos ou fragmentos veio à tona em uma despretensiosa escavação no Campo da Pólvora, na capital baiana. Despretensiosa porque, embora abrindo caminho para a expansão do metrô, a empreitada não prometia encontrar muito mais do que os alicerces da antiga Casa da Pólvora, depois quartel, que existiu ali até meados do século XIX.

A surpresa foi descobrir que estavam depositados na área os restos de demolições de casas próximas ocorridas no final daquele século. Junto com destroços de construção, lá estava um enorme e variado estoque de objetos pessoais. Na época, habitava o entorno do Campo de Pólvora (hoje uma praça urbanizada) o que hoje chamamos de “classe média alta”. Médicos, religiosos, professores, funcionários públicos. Gente que, sempre que podia, desfrutava dos luxos aristocráticos, como mostra a coleção desencavada.

“A coleção revela o interesse das classes de maior poder aquisitivo em copiar o modo da Corte, do Rio de Janeiro”, sintetiza Ana Maria Cavalheiro de Lacerda, arquiteta da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que participa da pesquisa desde o início, em 2001. A melhoria das condições de vida não se dava só dentro de casa: data da mesma época a expansão de serviços públicos, como abastecimento de água, iluminação e transporte. “É o momento em que se investe em melhorias nas cidades, aumenta a preocupação com higiene e saneamento, o Brasil quer se mostrar ao mundo como progressista”, completa.

A variedade, o tamanho e a boa conservação dos objetos facilitaram sua identificação e a datação. Mas o volume do acervo era tão grande que só agora a catalogação do material está chegando ao fim. Começa então a análise mais detalhada dos materiais. Enquanto isso, os pesquisadores tentam usar as descobertas como trunfo para criar um “Museu dos Trilhos”, associado às novas estações do metrô. Ele contaria a evolução da cidade por meio das mudanças nos transportes. Seja qual for o gancho, Salvador tem nas mãos a chance de “conviver” novamente com sua elite de quase 150 anos atrás.


Revista de História da Biblioteca Nacional

Darwin e Wallace têm seus caminhos históricos refeitos

Revista de História da Biblioteca Nacional

Caminhos históricos
Expedições refazem os caminhos brasileiros por onde passaram os pais da teoria da evolução.
Adriano Belisário

Em comemoração aos 150 anos da teoria da evolução das espécies pela seleção natural, expedições trilham os mesmos caminhos dos idealizadores da tese que mudou a forma do homem ver a si mesmo. No Rio de Janeiro, uma caravana de professores, estudantes e pesquisadores refez os passos de Charles Darwin na região. No norte, o fotógrafo inglês Fred Langford foi ao rio Negro e Uapés para passar pelo trajeto percorrido por Alfred Wallace, naturalista pouco conhecido, mas crucial no desenvolvimento da teoria.

Em 1832, Darwin percorreu o estado do Rio por 16 dias. Certamente o biólogo inglês não imaginou que, anos depois, seu tataraneto faria uma expedição em sua homenagem. Descendente de Darwin, o lingüista Randal Keynes participou da viagem “Caminhos de Darwin”, organizada pela Casa da Ciência e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, e refez o mesmo caminho para conferir o pouco que sobrou da mata atlântica. No entanto, os carros no lugar dos cavalos reduziram a jornada para apenas 4 dias.

Em cada um dos 12 municípios, foi fixada uma placa comemorativa com a localização da cidade no mapa e um trecho do diário de Darwin sobre a região. Além disso, houve encenação de peças sobre a evolução das espécies e outras apresentações artísticas. Os alunos da Escola SESC de Ensino Médio registram todo o evento em um blog.

"Tivemos uma pequena “aula”de geologia e história,para relembrarmos a importância de Darwin na criação da teoria tectônica de placas.Um casal de alunos está representando pessoas da época. Após a cerimônia todos foram convidados para assistir a apresentação de trabalhos nas escolas municipais", escreveram os estudantes durante o segundo dia.

Apesar de ter sido apresentada ao público em 1858, a teoria da evolução só foi amplamente divulgada um ano depois no célebre livro ‘A origem das espécies’. Além disto, em 2009 também serão comemorados os 200 anos desde o nascimento de Darwin. Para a ocasião, pretende-se organizar outra viagem, desta vez mais longa.

Por sua vez, Alfred Wallace tem seu trabalho relembrado graças a Fred Langford. Wallace supôs a teoria da evolução paralelamente a Darwin e a apresentou ao lado dele em 1858. Langford resgatou o trabalho de Alfred em uma exposição de 50 fotografias que irá passar por Manaus, Brasília e São Paulo.

Além disso, Fred Langford partiu em uma expedição para refazer os caminhos do pouco conhecido naturalista inglês. “Ele [Wallace] acreditou que na Amazônia encontraria a resposta para o problema da evolução das espécies”, contou à Agência Fapesp o fotógrafo que, após o Brasil, irá para Malásia e Indonésia continuar sua jornada.



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