Monday, April 09, 2007

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Seppuku na Cidade do Salvador

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Como um tenente da Marinha Japonesa acabou

enterrado no Cemitério dos Ingleses no século XIX

Sabrina Gledhill


Sexta-feira, 7 de outubro de 1870. “Às 4.00h, aconteceu uma terrível tragédia a bordo do Liverpool. O pobre do Oficial Japonês, que andava bastante desanimado porque tinha dificuldade em aprender nossa língua, técnicas de navegação etc., cometeu haraquiri...no salão dos oficiais”.
Assim, o diário de Marcus McCausland, um aspirante da Marinha Britânica, escrito a bordo do HMS Liffey durante a circum-navegação do mundo realizada pela Esquadra Volante em 1869/70, registra o triste fim de um tenente da Marinha Japonesa. Ainda de acordo com este diário e os registros da Igreja e do Cemitério dos Ingleses na Bahia, o oficial foi enterrado na Cidade do Salvador na mesma data.
Como foi que um japonês se juntou à tripulação de um navio britânico? E por que veio parar na Bahia? Qual a verdadeira causa do desespero que o levou ao suicídio? Para tentar responder a estas e outras perguntas é preciso começar recontando um pouco da história de dois impérios na segunda metade do século XIX – o Império Meiji e o Império Britânico.

200 anos de portos fechados
Assustado com os sucessos da Companhia de Jesus e outros missionários cristãos na conversão dos japoneses, o xogum Togukawa Iyemitsu (1623 a 1641) fechou os portos para o Ocidente em 1635 e expulsou os portugueses em 1639 – uma política chamada sakoku. Além de barrar a entrada de estrangeiros, o xogunato dos Tokugawa proibiu seus súditos de saírem do país sem a expressa autorização das autoridades do bakufu de Edo (Tóquio), o regime estabelecido por Tokugawa Ieyaso no século XVII. Esta proibição só seria levantada dois séculos depois. A pena de morte aguardava aqueles que desobedecessem, mas sempre havia alguma alma intrépida disposta a arriscar-se e conhecer o mundo afora. Um dos casos mais notáveis aconteceu na última década do século XVII. O médico Nakajima Chojiro conseguiu fugir do Japão a bordo de um navio batavo e cursar Medicina na Universidade de Leiden na Holanda por dois anos. De volta a seu país de origem, burlou mais uma vez a vigilância das autoridades e continuou a exercer sua profissão.
Finalmente, no ano 1853, o governo norte-americano decidiu abrir o mercado japonês a ferro e fogo e enviou o Comodoro Perry e sua esquadra de “Navios Negros” para cumprir esta missão. Depois de duzentos anos de isolamento e paz, o Japão tinha duas grandes desvantagens – uma marinha fraca e pouca experiência na área de diplomacia e tratados comerciais. Portanto, o bakufu assinou um acordo desvantajoso com os Estados Unidos que marcou o fim do xogunato dos Tokugawa. O último xogum foi deposto e substituído em 1867 pelo jovem e carismático Imperador Mutsuhito, cujo reino ficou conhecido como o Império Meiji (“Governo Iluminado”). O Imperador do Japão, Mutsuhito, ocupou o Trono do Crisântemo até 1912, tornando-se um símbolo da modernização. Marcou o início de uma revolução nacional, ao introduzir idéias e tecnologias ocidentais.

A Inglaterra entra em cena
O Japão já tinha algum conhecimento do mundo ocidental, principalmente através de livros trazidos pelos navios batavos e juncos chineses. No início, havia pouco interesse pela Inglaterra. O primeiro estudioso japonês a pesquisar esse país foi Honda Toshiaki, que, na década de 1790, apresentou uma caracterização idealizada da prosperidade econômica dos europeus. Segundo o historiador inglês Andrew Cobbing, Honda Toshiaki foi um pioneiro no sentido de argumentar que o estudo sistemático da Inglaterra poderia ter vantagens práticas para o Japão. Ao seu ver, essa nação seria ideal e a referência para o comércio estrangeiro com o Japão. Honda argumentou que, se o governo japonês seguisse seu plano para a construção de um império comercial envolvendo os territórios setentrionais, “Sem dúvida surgirão dois países supremamente prósperos e poderosos no mundo; o Japão no Leste e a Inglaterra no Oeste”. A linguagem que Honda utilizava na época lembra a política de fukoku kyohei (nação rica, exercito forte), que mais tarde tornar-se-ia o lema do Império Meiji.

Estudantes japoneses no exterior
Ainda durante o governo bakufu, grupos de estudantes japoneses tiveram a oportunidade de viver e estudar no Ocidente. Mas antes, tiveram que passar por um dos centros de ensino chamados rangaku (com ênfase na cultura holandesa), localizados nas cidades de Nagasaki, Edo e Osaka, onde aprenderiam noções de línguas estrangeiras, medicina, navegação ou a ciência da artilharia. Na década de 1860, a tradição de estudos rangaku cedeu lugar para os estudos ocidentais, ou yogaku. Estes priorizavam a aprendizagem da língua inglesa, devido ao número crescente de navios mercantis da Inglaterra, dos Estados Unidos, da França e da Rússia que atracavam nos portos abertos ao comércio com estes países.
Também havia grupos de estudantes chamados mikkosha que viajavam clandestinamente para o exterior, às vezes sob a égide de seu han, ou clã feudal. O caso mais conhecido foi de um grupo de cinco oficiais da província de Choshu, que incluiu um futuro estadista, Hirobumi Ito. Já matriculado na Universidade de Londres, Hirobumi soube pelos jornais londrinos que seu han estava travando uma luta contra as grandes potências ocidentais e voltou correndo para tentar convencer os rebeldes de Choshu da futilidade de enfrentar as forças unidas das maiores potências ocidentais, mas viu seu intuito frustrado.
As Batalhas de Shimonoseki começaram em 1863. A batalha final – durante a qual os rebeldes enfrentaram uma esquadra de navios de guerra ingleses, franceses e batavos, acompanhada, num gesto simbólico, por um navio norte-americano, enviado para mostrar a solidariedade de seu país, que vivia a Guerra de Secessão – durou dois dias, seguida pela rendição dos rebeldes em 8 de setembro de 1864. O acordo negociado depois do cessar-fogo obrigou o governo japonês a pagar uma indenização de US$3 milhões.
O Japão também se rendera às armas mais avançadas do Ocidente quando a Marinha Britânica bombardeou a cidade de Satsuma, capital de Kagoshima, em 1863, em retaliação à morte de um comerciante inglês. Estas e outras experiências convenceram o governo bakufu a redirecionar seus esforços. Ao invés de incentivar os elementos xenofóbicos a atacar os estrangeiros nos portos abertos ao comércio, buscaria adquirir o conhecimento militar das potências ocidentais diretamente, sendo um pioneiro da transferência de tecnologia no Oitocentos – sem falar da espionagem militar e industrial.

Aprendendo com o inimigo
No início da restauração do Imperador Meiji, a sede do governo foi transferida da cidade de Kyoto para Edo (Tóquio) e o poder político passou das mãos do xogum para um pequeno grupo de nobres e ex-samurai, que implementaram várias reformas. Decidido a enfrentar o imperialismo europeu e norte-americano, o governo Meiji priorizou a reforma militar. O novo exército adotou o modelo da Prússia, mas a marinha seguiu o exemplo da Inglaterra, na época uma superpotência naval. Para tanto, a partir da década de 1870, centenas de japoneses foram enviados ao estrangeiro para estudar línguas e ciências ocidentais, enquanto especialistas estrangeiros levaram seu know-how para o Japão. Foi neste contexto que dois oficiais da Marinha Japonesa embarcaram na Esquadra Volante com a missão de adquirir, a todo custo, o domínio da língua inglesa e das técnicas de navegação da Marinha Britânica. Um deles era o “estudante japonês” de 22 anos cujo nome foi registrado nos arquivos da Igreja e do Cemitério dos Ingleses da Bahia como “Mayoda” ou “Hyeen,” mas segundo informações fornecidas à autora por Prof. Dr. Andrew Cobbing em abril de 2006, chamava-se Maeda Jūrōzaemon e era originário do domínio de Satsuma, no sudoeste do Japão: “Segundo os registros japoneses, no quinto mês de 1870, Maeda, junto com Ittsuki Ichirō, originário de Tokushima, tornarem-se os primeiros estagiários a serem enviados para o estrangeiro pelo Ministro de Assuntos Militares (Hyōbushō) (Nihon Kaigun Enkaku – Linha do Tempo da Marinha Japonesa)”.

A viagem da Esquadra Volante
A princípio, a Esquadra Volante (ver tabela) foi encarregada de uma missão muito diferente. Os objetivos de sua viagem, que seria a última circum-navegação realizada por navios ingleses de propulsão mista – vela e vapor – e cascos de madeira, eram “brandir a bandeira” da Grã Bretanha e demonstrar o poder e a pujança da Marinha Britânica em todos os mares e oceanos. O objetivo protocolar que a esquadra inglesa e os oficiais japoneses tinham em comum era o de “promover o avanço e a instrução da arte de navegação”.
Comandados pelo Contra-Almirante Geoffrey T. Hornby, a maioria dos navios que formavam a esquadra zarpou do porto de Plymouth em 19 de julho de 1869, retornando para o mesmo em 15 de novembro de 1870 após uma viagem de 53 mil milhas náuticas. Antes de seguir para o Oriente, a esquadra aportou na Bahia em 2 de agosto de 1869. A primeira impressão registrada no diário do aspirante Marcus McCausland no dia seguinte não é de toda ruim: "Desembarquei e visitei a cidade. Seu aspecto é típico de uma cidade portuguesa, é imunda e seus cidadãos são aproveitadores. Besouros verdes e beija-flores parecem ser as grandes curiosidades do local, mas alguns dos nossos oficiais compraram sagüis. A cidade está construída numa ladeira que desce até o mar e, vista do navio, é muito agradável”.
Partiram para o Rio de Janeiro no dia seguinte, lá chegando no dia 16. Durante sua estada, o HMS Liffey foi inspecionado por D. Pedro II – segundo McCausland, “um homem muito distinto” – e os marinheiros ganharam uma partida de críquete contra a comunidade britânica local, seguida por um grande baile “oferecido pelos derrotados”. Em 25 de agosto, seguiram viagem rumo à Austrália e Nova Zelândia. Chegaram ao Japão em abril de 1870. Aportaram em Yokohama no dia 6 para obter carvão e reaparelhar os navios, e à capital, Edo/Tóquio, no dia 14.
Em Yokohama, Marcus McCausland observou a transformação que a cidade sofrera desde sua última visita em 1863: “Onde havia meia-dúzia de navios, agora tem duas ou três centenas; o mesmo aconteceu com as casas no litoral. Também construíram um magnífico Clube Náutico”. Após uma visita a um campo de execução nesta cidade, ele descreveu as várias maneiras de matar os condenados, observando no seu diário que o haraquiri – chamado seppuku pelos japoneses – era a forma de morte mais digna, um privilégio reservado para um membro da casta militar. De fato, o haraquiri foi, por séculos, a maneira mais honrosa para um samurai partir desta vida. Era uma parte essencial do bushido, ou “caminho do guerreiro”, o código de honra do samurai. Segundo o Professor Pedro Antonio Domingues, da Universidade de São Francisco, “Seguir o bushido, era dar ênfase à lealdade, fidelidade, [abnegação], justiça, modos refinados, humildade, espírito marcial, honra e, acima de tudo, morrer com dignidade”. O objetivo principal do haraquiri era lavar a honra como guerreiro. Havia vários motivos para tomar esta saída honrosa, voluntária ou forçada, entre eles: a morte do daimio ou senhor feudal e uma missão fracassada.
Já na cidade de Edo, o tio do “Mikado”, como os ingleses chamavam o Imperador do Japão, visitou o navio capitânia, o HMS Liverpool, em 16 de abril. No dia seguinte, o almirante e todos os capitães dos navios tiveram uma audiência com o próprio Imperador, cujo rosto estava parcialmente escondido por “uma espécie de tela”. Depois de outra parada rápida em Yokohama, foram para o Canadá, onde o aspirante registrou a presença dos dois oficiais recém embarcados, provavelmente em Yokohama, no dia 3 de maio “Temos dois tenentes japoneses com a esquadra. Um está no navio capitânia e o outro a bordo do Phoebe. Estão viajando à Inglaterra conosco para receber instrução”.
No caminho de volta, passaram pelo Havaí, enfrentaram o estreito de Magalhães e – depois de divulgar a falsa informação que o Rio de Janeiro seria sua próxima parada (segundo McCausland, uma “ruse de guerre”) – baixaram âncora mais uma vez na Bahia, um porto indispensável para navios que vinham do mundo todo em busca das abundantes águas da Cidade do Salvador e seu Recôncavo, sem falar de seus estaleiros e suprimentos.
O HMS Liffey chegou à Bahia de madrugada, às 2.00h do dia 5 de outubro de 1870, uma quinta-feira: “O calor aqui é muito intenso. Desembarcamos e encontramos tudo mais ou menos como estava antes. 17.20h A Esquadra chegou.... Só estávamos 5-3/4 horas na sua frente, porque chegamos na barra do porto à noite [sendo impedidos de entrar por causa do escuro]. Nos mandaram na frente para encomendar os bois etc. e fazer todos os preparativos antes da chegada da esquadra, para que pudéssemos zarpar imediatamente. Infelizmente, o Satélite perdeu o leme e tivemos que desarmá-lo para que pudesse ser consertado”.
No próximo apontamento, a alteração da caligrafia do aspirante reflete seu espanto ao descrever a morte do oficial japonês: “Parece que ele foi proibido de freqüentar o salão por algum tempo porque costumava amolar seu punhal de cinco em cinco minutos [provavelmente dando a impressão de querer utilizá-lo contra alguém ou contra si mesmo]. Na manhã do ocorrido, ele entrou no salão às 4.00h e sentou-se sobre sua maleta. Quando, seguindo ordens, o sentinela entrou para expulsá-lo, [o Maeda] puxou o punhal e rasgou o ventre, antes de apunhalar-se três vezes na garganta. Ele sobreviveu apenas quinze minutos. [Ittsuki Ichirō] ergueu uma lápide para ele e nos informou que um exame os aguardava no Japão. Se não fossem aprovados, seriam condenados a cometer haraquiri. O corpo foi sepultado no cemitério britânico”.
Apesar de ser um suicida – e portanto, para os protestantes e católicos, ter morrido em pecado mortal – o jovem tenente japonês foi enterrado com ritos anglicanos celebrados pelo Reverendo Caley. Certamente, sua morte foi considerada honrosa pelos japoneses. Segundo o historiador militar inglês Stephen Turnbull, “No universo do guerreiro, o seppuku era um ato de bravura considerado louvável num samurai que reconhecia ter sofrido uma derrota, uma humilhação ou um ferimento mortal. Significava que ele podia chegar ao fim de sua vida com todas suas transgressões apagadas e, mais do que manter seu bom nome, alcançar o renome”.
O Tenente Maeda falhara sua missão mas lavara sua honra, de acordo com o bushido. O historiador brasileiro Cid Teixeira informa que uma fragata japonesa aportou na Bahia alguns anos depois para prestar homenagem a seu conterrâneo. Infelizmente, quando aqui chegou, não foi encontrado o lugar do enterro. O cadáver havia sumido, junto com a lápide. Tudo que nos resta sobre a sepultura de Maeda Jūrōzaemon é sua localização no mapa e nos registros do cemitério.
Em 1873, três anos depois da morte do oficial japonês na Bahia, o Imperador Meiji aboliu o uso do haraquiri como pena de morte. Mesmo assim, há registros de casos de seppuku voluntário no Japão pelo menos até o século XX.

Para saber mais

Online:

Wikipedia

Era Meiji

http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_Meiji

Samurai

http://pt.wikipedia.org/wiki/Samurai

The Cruise of the Flying Squadron

http://www.pbenyon.plus.com/Flying_Squadron/Contents.html

Livro impresso:

The Japanese Discovery of Victorian Britain: Early Travel Encounters in the Far West, de

Andrew Cobbing. Ed. Japan Library, Curzon Press 1998

Fotos do Cemitério Luterano de Salvador

Cemetery Photos